sábado, 8 de novembro de 2014

POR QUE A GENTE TEM QUE ACABAR?

Acabo de ler a mensagem dele dizendo  que vai demorar. Tudo bem, saí de casa preparada com um livro do qual só li uma página e meus inseparáveis cadernos que achei que não iria usar. Engano meu, encontrei no lugar mais inesperado a inspiração para pensar e escrever sobre coisas das quais todos  queremos fugir e não podemos.
Duas senhoras conversam perto de mim. Uma delas chegou aqui contando piadas, até me irritando com um bom humor que  pareceu forçado. Em poucos minutos percebi: ele nada mais é que seu esconderijo.
Me senti mal por não evitar uma impressão errada.
Ela está sofrendo, o marido faleceu há pouco tempo, sua voz muda quando fala dele. Temo que vá chorar, receio me emocionar. Sua companheira de conversa é mais contida, séria  ( e muito, muito bonita), acho que perdeu a sogra. Estão tomando remédios para as cada vez comuns dores na alma e contam isso com nenhuma autopiedade.
Só ouço as duas vozes e suas percepções da vida começam a me martelar o peito,elas têm a idade dos meus pais e por trás de seus vestidos modernos e rostos bem maquiados mostram a fragilidade diante do fim .Me olho em um dos espelhos e me pergunto
: como serei nessa idade?Como lidarei com o inevitável?
Queria ler o pensamento das outras mulheres que aqui estão: a que lê a revista feminina, a menina que mexe no celular, a moça da minha idade que trabalha. Será que só eu não consigo me manter alheia a vida se mostrando diante de nossos olhos e ouvidos?
Ah, essa ansiedade que não me abandona.
Por não esconderem seus pontos fracos admiro essas duas mulheres que mostram muita força ao lidar com as intempéries de suas jornadas. Nossa diferença de idade deve ser mais de quarenta anos e já caí tanto diante de dificuldades menores. A tristeza me vem em ondas, acompanhada de uma certa vergonha
Queria ir para casa.
Sou covarde, não sei lidar com nossa brevidade, com o fato de que somos todos feitos para acabar. Só as formas de lidar com o fim é que mudam. O sangrar é sempre e humanamente o mesmo.
                                                                                                 D.SConsiglio
                                                                                                 
                                                         







quinta-feira, 6 de novembro de 2014

COMO ESTARÁ LUIZA?

Era o amor garantido, de noites em frente a TV, comida pronta todos os sábados, pernas entrelaçadas no sofá. Aquela relação que não permitia mudanças, mas gerou resultados: uma mulher insatisfeita, incomodada, esmagada. E um homem que cego pelo comodismo só abriu os olhos quando foi deixado para trás.
Luiza tentou avisar, com os olhos apagados ao aceitar tantas vezes as saídas sem avisar, os jantares intermináveis regados à explicações sobre suas ausências.
“ Paulo estava cansado”
“ Acho que ele trabalhou até mais tarde”
Mas foi o cansaço dela que abandonou a cama onde ele passou a se ver pequeno diante do espaço que brigava com seu corpo. Foram suas tentativas vazias de se aproximar de um homem fechado e orgulhoso de seu receio de amar que deixaram apenas um prato na mesa do jantar, o apartamento escuro quando ele chegava do trabalho.
A partida de Luiza deu ao rosto de Paulo um contorno amargurado, de alguém espantado com o sentimento ao qual se julgava imune. A falta de Luisa o fez um estranho dentro de si mesmo, tendo que lidar com uma realidade que não avisou a hora de sua chegada: sorrateira, não pediu licença e nem permissão para tomá-lo de assalto, sem pena.
E quando ele achava ter se acostumado com os fins de semana solitários, os frascos vazios dos shampoo  que  não tinha coragem de jogar fora a viu: luminosa, com aquele sorriso de quem encontrou o próprio caminho. Disse um oi como se cumprimentasse um velho amigo do ensino médio e um abraço que dividiu seu coração ao meio.
Ansioso, a viu entrar no cinema com um grupo de pessoas que não conhecia, os saltos vermelhos que ele adorava a decorar o chão branco do shopping.
 Linda, dolorosamente linda, sem ao menos reparar em Paulo com os olhos a varrer os rostos que o observavam com pena, perdido a segurar o copo de café que lhe queimava os dedos e a canção de Tom Jobim, tantas vezes sua favorita a machucar seus ouvidos:

“ O que eu faço para te esquecer, Luiza?”

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A CARTA QUE EU NÃO VOU TE MANDAR

Não me importavam as horas, eu só queria ouvir te ouvir. Foi tão rápido :  a sua rispidez, a minha vergonha e Carla como sempre sendo a amiga a me proteger, jogando meu celular dentro do copo de cerveja. Não tive forças para reclamar.
A primeira vez em que saí depois de nós me rendeu um celular destruído, uma melhor amiga decepcionada e o coração ainda mais dilacerado. Voltei para casa bêbada de cerveja e frustração.
Acordei hoje e tocar o chão deixou meus pés doloridos. Mesmo com o sol invadindo meu quarto voltei para a cama, o mínimo conforto que meu corpo precisava, já que para a ferida que faz meu orgulho sangrar parece não haver cura.
Consigo te imaginar rindo dessas primeiras linhas que te  escrevo , suas piadas previsíveis sobre minha mania de ser dramática, talvez com o mesmo deboche com que atendeu meu telefonema de ontem.
Ponho no papel as palavras que minha garganta dolorida e seca pela ressaca desejava te dizer. Talvez eu esteja tentando voltar aos nossos tempos de bilhetes pelo quarto, dos post-its nos notebooks, das mensagens de texto safadas durante o trabalho.
Mas esse é um caminho que eu não posso percorrer sozinha e então me pego pateticamente escrevendo mais uma carta que guardarei no fundo da gaveta onde os presentes que você me deu ainda parecem me olhar com pena da mulher que me tornei. E aqui se vai mais uma folha desperdiçada, mais uma prova da saudade que se tornou minha sombra, a companheira das mais indesejadas.
Sim, ainda insisto, sim ainda sofro, e sim, claro que ainda te amo!

                                                             Sua, e sempre sua, em todas as noites, as manhãs e madrugadas!
                                                                                                  <3

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

BASEADO EM FATOS MAIS QUE REAIS : QUANDO ELE SE FOI.

Eu tinha doze anos quando descobri que a morte não escolhe idade. Um dos meninos mais bonitos da escola foi vítima de afogamento e meu sono foi assombrado por dias pelas cenas do velório e  o clima abafado e sufocante daquele noite, mesmo ele não sendo meu amigo.
Aos vinte é que fui sentir essa verdade dolorida na pele.
Ele não era bonito, tampouco fazia o estilo garanhão . De um jeito todo particular se tornou meu  oasis de juventude e conforto em uma turma de faculdade na qual eu não me encaixava. Quando ele surgia na porta da sala com sua bolsa enorme trançando-lhe o peito ficava tudo mais alegre, mais leve, a combinar com sua personalidade tranquila.
Tinha uma das letras mais bonitas que já vi e um pavor hilário de que eu visse alguns de seus erros de Português. Como um menino grande às vezes escondia o caderno de mim e pedia para outra colega verificar a sua escrita.
" Não deixe a Débora ver".
Eu ouvia e ria. Aliás até hoje o ouço.
Anselmo era só tamanho e meninice.Odiava quando ele faltava às aulas e ele faltava pra caramba, pois trabalhava muito e eu vivia bancando a irmã mais velha pedindo para ele maneirar no números de aulas que dava à noite. No fundo eu não entendia que meus pais pagavam a minha faculdade, os dele não.
Hoje eu estou aqui, ele não.
Era difícil irmos embora juntos e naquela sexta, depois de mais uma semana de  rotina insana de trabalho ele me chamou para pegarmos o ônibus ;  seu aniversário seria na segunda e ele estava só felicidade pelo bônus que iria receber.
 Até nisso éramos parecidos: esconder as coisas boas não era  a nossa qualidade mais forte.
Descemos no mesmo ponto, belisquei seu braço e disse:
- Para de matar aula, menino!- Ele riu e disse que iria aparecer na segunda-feira.
Foi a primeira e última vez que não cumpriu o que prometeu.
 Na noite de segunda- feira as  informações eram desencontradas. Minha mãe viu uma notícia no jornal da TV e não lembrava o nome das duas vítimas: dois professores abandonados em uma estrada, um morto, o outro em estado grave. Na manhã seguinte a foto do meu amigo estava em uma página policial no jornal da cidade,ferido, vulnerável, vítima de uma violência que me fugia a compreensão, seu corpo sendo retirado da mata como se fosse um entulho prestes a ser jogado fora.
Ele não resistiu,e  em 29 de setembro de 2001 a visão que eu tinha do mundo tornou-se mais dura, cortante. Aproveitaram-se da sua doçura e deixaram em mim o gosto amargo da perda.
Ainda hoje seu rosto me é mais nítido do que os de pessoas com as quais convivi por mais tempo. Lembro da camiseta rosa,do "vamos trocar de lanche até passar por aquela mesa,coisa feia eu desse tamanho comendo Torcida e você com esse lanche natural". Confesso que ainda o imagino pelas ruas da cidade e a minha memória pelo menos  me permite lembrar de seu jeito de garoto sem que as agulhas invisíveis da dor me penetrem sem compaixão.
 Se Anselmo ainda estivesse vivo talvez a vida
com suas rotinas e mudanças houvesse nos separado.  Nunca saberei, e convivo com isso todos os dias. A única certeza que tenho é que trocaria todos os lanches naturais possíveis  por carregamentos inteiros de Torcida ( de cebola, por favor) para que ele ainda caminhasse no mesmo mundo que eu.
                  Saudades sempre, meu querido!
                                                                         D.SConsiglio


quinta-feira, 16 de outubro de 2014

PARA AQUELA QUE NÃO CONHECI E É UM PEDAÇO DE MIM.

Bom dia, queridos e queridas.

Laços de sangue não se arrebentam com o tempo, a distância, histórias inacabadas ou dores que vezes nos parecem longe de cicatrizar.
Não conheci minha avó materna,sei de seu lindo rosto apenas pela foto de seu casamento com meu avô.Quando eu era adolescente ela me parecia alguém distante, que não fazia parte da minha vida, mesmo sendo a mulher que deu a luz a minha amada mãe.
Os anos se passaram e hoje me vejo uma extensão dela, da sua fragilidade. Somos parecidas em nossa ansiedade, nossa inquietude, na sensação de muitas vezes não pertencer ao próprio tempo.
 E se a vida nos separou, hoje tento, com muito amor juntar-me à ela pelas minhas palavras. Esse texto é especialmente para você, vó Maria.

"Quando a sanidade me escapa vejo seu rosto. É como se a beleza naquela única foto que conheço viesse a decorar esses momentos que insistem em dificultar minha felicidade.
Sei tão pouco de você e hoje entendo que nossa genética nos liga muito mais que pela cor dos olhos,os lisos dos cabelos. Ela é nossa na ansiedade que rasga,o interior que arde, a eterna vontade de ir embora. Hoje eu só queria pegar na sua mão, que você estivesse aqui, linda, serena, sobrevivente de um tempo que não te compreendeu.
Mas o que me resta são os cacos nos quais me estilhaço, me transportam para um lugar que não conheço e me fazem sentir sendo sua parte, continuação de sua história. Será que um dia você saberá de mim, aquela que já imaginou como seria se você viesse nos conhecer?
Nos meus tolos tempos de adolescente cheguei a te responsabilizar pelo relacionamento complicado que tinha com a pessoa mais importante da minha vida, a quem você deu a luz. Mil vezes perdão, tudo o que você não precisava era de mais alguém que a te condenar.
E agora, que novamente me perdi entendo : Não se julga quem amamos, e sim aprende-se com eles.
 Esteja onde estiver meu pensamento estará sempre com você, pois de todo meu coração hoje te entendo e sei que um dia nós vamos nos encontrar, e não será pela nossa frágil mente e sim para que vivamos a felicidade que foi a sua e é a minha eterna busca."
                                                                      D.SConsiglio

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

BASEADOS EM FATOS MAIS QUE REAIS - O AMOR QUE CURA

                                                             
 Bom dia, queridos e queridas!

 A postagem de hoje é uma homenagem a um casal vencedor, que aprendi a amar muito e por quem eu torço imensamente. Me inspirei ao ouvir o relato mais que emocionante desses lindos sobre o dia da cirurgia da minha querida amiga Lenita Narita, dia esse no qual choramos, nos preocupamos e vencemos!Espero que gostem.
           

"A enfermeira acaba de fechar a porta e aqui estamos nós: Eu, você e o pequeno grande filme da nossa vida. Você está tão serena que me é difícil acreditar que dois dias atrás vivemos nossos momentos mais terríveis.
Te vejo dormir ao meu lado há mais de vinte anos e hoje está mais linda do que nunca : não parece nada frágil depois da cirurgia a qual pessoas que não te conhecem disseram que você não sobreviveria. Eu te conheço muito bem e mesmo sentindo o maior medo da minha vida nunca duvidei da sua força. Minha guerreira resistiria.
E como sempre você não decepcionou a sim mesma, deu a sua gargalhada maravilhosa para o pessimismo e já saiu da sala de cirurgia com os olhos abertos. Meus olhos queridos, a janela da minha alma.
Agora sinto novamente o coração no peito, o pensamento voltando ao lugar, a respiração ao ritmo normal e rio sozinho ao lembrar do seu rosto quando me viu pela janela da sala pré- cirúrgica. Eu estava sem ar, mas jamais demonstraria, só queria te mostrar que eu estava ali.  E que sempre estarei aqui.
Suas mãos estão quentes como na primeira vez em que as segurei,  louco de ansiedade para te beijar. Aquele foi o começo da nossa história cheia de alegria, dificuldades e batalhas gigantescas. Você, sempre a fortaleza a me apoiar, a ser o modelo para nossos filhos enfrentou com graça e racionalidade admiráveis a sua, a nossa maior luta.
 Não caibo em mim de tanta felicidade: Minha mulher voltou e dorme o sono merecido de quem em dois meses viu o próprio mundo virar do avesso, e agora eu pouco me importo com o incomodo nas costas por causa do sofá minúsculo desse quarto de hospital. Ela não é nada perto do que sentimos quando aqueles médicos não acreditaram em você.
Queria de todo coração, com todas as minhas forças que te vissem agora.
Prometi que estaria aqui quando você acordar. Quero ouvir sua voz alta a me perguntar por que te olho com ar de bobo: Simples, porque a parte que me completa não me foi tirada. E prepare-se, agora a nossa história será reescrita com um personagem mais que principal:  O dia em que ao vencermos a sua doença, vivemos de novo para a nossa eternidade.
Não vejo a hora de te ver saindo daqui vestindo o casaco vermelho com o qual você entrou nesse hospital, cercada por pessoas que estavam com o coração tomado pelo mais profundo desejo da sua cura. Respiro, me concentro. Agora temos todo o tempo do mundo, meu amor."





D.SConsiglio

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

E ELA FINALMENTE SE CONHECEU.

A notícia na TV era triste mas não para tanto. Tomada pela angústia, Carla se enrolou no edredom e começou a chorar, sem o mínimo pudor. Felipe sempre prático e carinhoso a surpreendeu com um " amor, você precisa ir ao médico" que longe de ofende-la, só confirmou: Aquele sentimento que ela havia vencido há seis anos estava de volta.
Sempre conviveu com a ansiedade:  Antes de festas esperadas, o estômago dolorido não permitia que comesse, tamanha a expectativa e reuniões com chefes davam-lhe nós na garganta. Nada anormal, apenas reflexo de uma agitação exagerada
E foi então que 2008 aconteceu.
Não foi sua culpa, tampouco castigo. Às vezes uma gravidez não se completa simplesmente porque a natureza se encarrega de encerrar uma gestação complicada. Mas ninguém a avisou que perder um filho dói no corpo e esmigalha a alma.
Vestiu o engano com uma força inexistente, mentindo  para o mundo ao dizer que estava tudo bem.Até que a verdade veio lhe cobrar seu preço em forma de noites mal dormidas e perda de controle da ansiedade até então inofensiva.
Em meio à fraqueza, a força : Pediu socorro sem sentir-se diminuída, apenas dolorosa e desavergonhadamente humana. E se viu capaz de sobreviver, forte,imprevisível a mais acidentada das jornadas
Depois da noite com Felipe e do choro sem sentido bate à porta da mesma pessoa que lhe mostrou o caminho para a calma e abriu seus olhos  para algo  que nunca fui anormal e sim apenas um traço da sua personalidade. E hoje mesmo com as lágrimas a lhe visitarem os olhos,sabe que o sofrimento é temporário.
Renato Russo dizia que " Mentir para si mesmo é sempre a pior mentira" e Carla já perdeu as contas de quantas vezes pensou no quanto essa frase é verdadeira, mas algo parece ter
mudado : Novamente sentada naquele divã sente-se tranquila, porque sabe que a lucidez que buscou no momento mais inesperado da sua vida não a abandonou por completo, e que talvez o que foi cantado tantas vezes por ela em sua adolescência não faça mais sentido
Porque foi passando por uma de suas maiores dores que ela se conheceu. E essa será sempre a sua melhor e mais bonita das verdades.
                                                                            D.SConsiglio